O país que venceu a hiperinflação há duas décadas, mas reviveu esse fantasma sempre que os índices alcançaram dois dígitos nos últimos anos, pode estar caminhando para um “novo normal”, em que a alta de preços fica na casa dos 3% ao ano, o piso do intervalo de tolerância da meta do Banco Central. Segundo dados divulgados nesta terça-feira pelo IBGE, o IPCA completou em março nove meses abaixo desse nível, com alta acumulada em 12 meses de 2,68%. A taxa mensal foi de apenas 0,09%, a menor para o mês desde 1994, implantação do Plano Real. De acordo com economistas, os dados mostram que há espaço para que o Brasil passe por uma redução estrutural da inflação, mas o desequilíbrio fiscal e possíveis turbulências com o cenário eleitoral são riscos.
Os números de março surpreenderam analistas de mercado, que apostavam em alta de 0,12%. Foi mais uma quebra de expectativa em um cenário em que as previsões têm sido revisadas constantemente. A mediana de projeções do boletim Focus, elaborado semanalmente pelo Banco Central, já foi recalculada para baixo dez vezes consecutivas. O mais recente relatório prevê que o IPCA fechará 2018 com alta de 3,53% — acima do nível atual, mas ainda abaixo da meta estabelecida pelo BC, de 4,5%, com margem de tolerância de 1,5 ponto para mais ou para menos. No ano passado, a inflação ficou abaixo do limite mínimo de 3%.
ECONOMISTA DEFENDE REFORMA DA PREVIDÊNCIA
Na avaliação de analistas consultados pelo GLOBO, a principal explicação para a inflação mais baixa que a esperada é o comportamento dos preços de alimentos, ao lado de um efeito defasado da recessão sobre os preços. Só em março, quando já se esperava uma alta nos alimentos, refeições consumidas em casa tiveram deflação de 0,18%. Esse cenário vai começar a mudar nos próximos meses, avalia Luiz Roberto Cunha, professor de Economia da PUC-Rio, mas não o suficiente para se aproximar da meta. Ele prevê que a inflação termine o ano na faixa dos 3,8%.
— O comportamento dos alimentos tem sido excepcionalmente favorável até agora. O clima ajudou muito. Claro que a recessão ajudou um pouco, com a redução de demanda derrubando preços de serviços por exemplo. Mas, nesse início de ano já começou a virar. Vai haver uma reversão, alguma pressão de alimentos. É claro que não vai ser da ordem de 2016, mas, vai voltar a ter pressão.
Mas, para o especialista, há espaço para uma queda mais estrutural no longo prazo. Para isso, no entanto, será preciso tirar do papel reformas na área fiscal, principalmente a da Previdência.
— É possível, se o próximo presidente e o Congresso aprovarem a reforma da Previdência. Se não se consegue aumentar a carga tributária, a dívida vai vai ser impagável. A inflação no Brasil foi sempre causada por isso isso. O governo não conseguia enfrentar a questão fiscal, imprimia moeda e gerava inflação — lembra Cunha.
Para Alberto Ramos, economista do Goldman Sachs para América Latina, era esperado que o Brasil passasse por esse processo de inflação mais baixa após dois anos de recessão. Ele espera que o IPCA volte a subir nos próximos meses, mas também vê possibilidade para uma queda estrutural.
— Não é de todo claro que houve uma mudança estrutural no processo de formação de preços na economia brasileira — pondera, lembrando que a taxa de desemprego ainda é alta no país. — Mas, se no futuro imediato forem aprovadas reformas estruturais contundentes, que aumentem o nível de poupança, investimento doméstico, a eficiência e a produtividade da economia, é certamente possível observar uma diminuição do nível estrutural de inflação e juro neutro (que não provoca inflação) no Brasil.
Leonardo França Costa, economista da Rosenberg Associados, destaca que tudo vai depender da credibilidade do Banco Central no controle dos preços.
— O BC vai se manter vigilante para não descuidar da inflação. Acho que ele está tentando retomar a confiança do mercado nessa ancoragem de meta de inflação.
REVISÃO DA META EM 2021
O debate ocorre a dois meses da reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) sobre a meta de inflação para 2021. Hoje, já existe uma previsão de que a meta seja gradativamente reduzida ao longo dos próximos anos. A de 2019 foi fixada em 4,25%, e a de 2020, em 4%. Para Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, o momento é propício para uma nova redução.
— Espero que sim (que os 3% sejam o novo normal). O anormal é uma meta de inflação de 4,5%. Já há muito tempo deveríamos ter começado a trabalhar com metas mais baixas de inflação. Espero que o BC em junho decida por baixar a meta de 2021 para 3,75% até chegarmos a 3% de meta — afirma.
Ele destaca, no entanto, que manter a inflação baixa será um desafio:
— Na verdade essa inflação baixa significa que talvez estamos caminhando para a normalidade. A grande dificuldade agora é saber se haverá continuidade nesse processo. Poucos candidatos atualmente parecem contundentes no entendimento da necessidade da inflação baixa e de mantê-la baixa.
Se a redução da meta for confirmada, o Brasil chegaria, nos próximos anos, ao patamar de economias vizinhas na América Latina. Chile, Colômbia e México, por exemplo, têm meta de 3% com intervalo de tolerância de 1 ponto percentual. No Peru, o limite é ainda mais rígido, de 2%, com intervalo também de 1 ponto.
— Vejo espaço e uma oportunidade para mover a meta de inflação para um nível mais razoável. 4% é um nível de inflação muito alto e fora da norma de outros países que têm implementado regimes de metas de inflação com sucesso. Além disso, a banda de variação em torno da meta de 1,5 ponto é muito ampla — avalia Alberto Ramos, do Goldman Sachs.
O economista Márcio Milan, da Tendências Consultoria, pondera que pode ser cedo para fazer uma redução, considerando que não se sabe como a economia vai reagir quando começar um processo de crescimento mais sólido. Hoje, a avaliação é que o movimento de saída de recessão é basicamente de recuperação da ociosidade que aumentou durante a crise.
— A gente não sabe muito bem como o IPCA vai se comportar com a economia operando em condições normais. Teremos uma expansão mais forte da ocupação, renda, ganhos de massa de maneira mais consistente — afirma Milan, que espera que o CMN mantenha para 2021 a mesma meta de 2020, 4%.
O analista lembra ainda que estará no radar o efeito de possíveis turbulências causadas pelo cenário eleitoral. Em um cenário pessimista em que o dólar chegue a R$ 4 na segunda metade do ano, por exemplo, Milan vê risco de que o IPCA chegue perto dos 5%.
— A gente não sabe quais as agendas econômicas dos candidatos. A depender do resultado da eleição, pode ter um efeito adverso sobre expectativas, e aí toda a batalha que o BC conseguiu vencer, das expectativas, começa a entrar em xeque — destaca.